A ANGÚSTIA DOS LUGARES
Consigo gostar de quase tudo que faço a ponto de querer estar exatamente onde estou. Mas aí que está: na verdade eu gostaria de qualquer outro lugar que me desse as condições iguais de fazer o que faço. Ler sem ordem, escutar música enquanto lavo prato ou caminho, sair gratuitamente, poderia ocorrer em muitos outros pontos do globo. De modo que nada me impediria, além do dinheiro, de estar em outro lugar, vivendo essas mesmas boas coisas. E talvez em outro lugar elas soassem ainda mais encaixadas, mais fortes, ou até tivessem um tom que me fizessem gostar de outras coisas anexas. Enfim: fico angustiada em querer saber como seria o meu jeito de viver, mesmo que fazendo sempre as mesmas coisas em todos os jeitos, pra cada lugar que existe.
A grande inquietação é saber que existem centenas de possibilidades, em centenas de cidades, capazes de me pôr em vias distintas de contentamento, e para todas elas, um distinto grupo de pessoas. Existe gente que me faria sentar na calçada e conversas horas, todos os dias, mas que apenas por um azar geográfico, não vou conhecer. Existem homens que me amariam, e eu de volta, que não me encontrarão. Existem formas de vida que me absolutalizariam ainda mais e que, talvez, por um descuido, por uma falta de imaginação nas escolhas, eu nunca vá viver. E sim, repito: as coisas que faço aqui são as que realmente eu poderia fazer sempre, e se um demônio chegasse, como propôs Nietzsche, e me indagasse se eu suportaria viver dessa forma num eterno retorno, eu responderia que, conceitualmente, sim. Mas e o lugar pra esses conceitos acontecerem? Ok, pode ser esse aqui, mas o aqui é sempre a angústia da co-existência de todos os outros.
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